Quando Abraão não é o carrasco

  • 17/09/2024
Quando Abraão não é o carrasco
Quando Abraão não é o carrasco (Foto: Reprodução)

Para mim, a pena de morte não deveria ser permitida. Não por pena ou misericórdia do assassino, que não teve misericórdia alguma da sua vítima, nem pelos parentes das vítimas, mas pela figura do carrasco.

As vantagens da internet são inúmeras, mas uma delas que pode ser considerada principal é a circulação de informação em tempo real. Semana passada, por exemplo, circulou o vídeo de um sujeito que andava na calçada e, antes de ser abordado por policial de viatura, conseguiu sacar-lhe a arma, matando-o ainda dentro do veículo. Sou sincero. Não minto que a vontade foi de ver as pessoas que tentaram socorrer o policial e que conseguiram pegar o assassino fazerem justiça com as próprias mãos imediatamente. Esperar o processo legal talvez fosse injusto com parentes e entes da vítima e, por que não dizer, com toda a sociedade.

Vendo cada vez mais violência e a criminalidade somos forçados a admitir que a pena de morte, por seu caráter intimidador e diante do esquecimento do caráter religioso da questão, seria um santo remédio e um deus contra o desejo de matar por qualquer motivo ou até mesmo desmotivadamente. Além de intimidar, quem matou, perdendo a vida, não mataria mais. Um assassino a menos.

Mas, pensando bem, não sei se podemos afirmar que tal remédio sanaria o problema de vez ou criaria mais problemas ainda.

De pronto descarto que o problema seria resolvido. Nunca, jamais, problemas humano-sociais são resolvidos assim com uma canetada, no papel, na base das políticas públicas. O que está em jogo é saber se ele seria diminuído ou, quem sabe, aumentado.

Pensando bem, queremos que o assassino morra porque tirou a vida de uma outra pessoa, nossa conhecida ou não. Mas certamente faremos de tudo para evitar a pena de morte se o assassino for, por exemplo, uma pessoa próxima de nós, um parente nosso. Imaginemos nosso filho envolvido em situação criminosa, depois processado e condenado. Já deu para sentir que uma resposta firme e segura não é tão fácil quanto parece.

Assassinatos acontecem, mas a decisão de tirar a vida de alguém não pode estar em nossas mãos. Se ela estiver estaremos nos colocando na mesma posição do assassino só que de uma forma legal, institucional. Enquanto ele tira a vida na situação concreta, diante da opção entre o sim e não, o bem e o mal, nós teríamos mais tempo para pensar se a tiraríamos ou não e apenas fazendo representações mentais daquilo que ocorreu, imaginando o que teria ocorrido e se teria realmente ocorrido. Imaginação sobre o passado e fantasia sobre um futuro melhor andariam juntas diante das provas na tela de um computador (já que hoje é tudo virtual).

Sei que nos dá vontade de vingar uma morte cruel, de matar o assassino. Vingando-a, um assassino a menos e vidas agradecendo. Mas esta livre escolha deixada à razão de homens com alguma autoridade é perigoso demais. O perigo é deixar à razão humana, e ela não anda lá grandes coisas ultimamente. Utopias são perigosas. O comunismo matou milhões de pessoas, só com uma canetada ditatorialmente política. Aposto que a maioria das vítimas não encostou se quer em uma barata para ser sacrificada no altar da política religiosa, já que o seu problema era rebeldia, de falta de submissão ao regime utópico imposto.

Se encararmos assassinatos e outros crimes como incidentes inevitáveis estaremos mais tranquilos em nossa decisão de não pagar com a mesma pena. Os estóicos pensavam assim. Se estivermos conscientes de que nem tudo está ao nosso alcance e no nosso controle poderemos ficar mais tranquilizados. A leitura da Bíblia também ajuda em Eclesiastes ou Provérbios, para quem tudo é fútil e não há nada de novo debaixo do sol, ou seja, tudo é como sempre foi, sobretudo quando diz que o mal vem tanto para o justo quanto para o perverso, ou seja, ninguém está escape do inevitável.

E também tem outro porquê mais do que importante: porque Deus não quis. Não é da vontade de Deus que tiremos a vida do outro, do irmão em Cristo. A vida na Terra tem seus propósitos definidos. Ajudemos uns aos outros na caminhada pela vida eterna. Se entendermos que a vida é a última razão e a morte a primeira estaremos dificultando o caminho da salvação.

Tem o argumento da ressocialização penal. Apesar da alta criminalidade e da reincidência, a finalidade da pena criminal não pode ser considerada utópica. O caminho da ressocialização é árduo e tem que continuar sendo, caso contrário não será eficaz para colocar de volta ao convívio social. E todos têm capacidade de voltar a ser o que eram antes do crime. Para Deus, no que acredito e pelo que vejo de testemunhos de viciados terminais em drogas, pessoas praticamente entregues ao mundo do crime, não existe caso perdido para ninguém que acredita no poder do fraco e de Deus quando ordena “Diga o fraco eu sou forte!”.

A pena de morte seria usada como um discurso populista em tempos de campanha política. Provavelmente a pena de morte seria de decisão e aplicação federal. Imaginem candidatos à Presidência da República, ao Senado ou à Câmara dos Deputados falando sobre suas aspirações, seus projetos políticos sobre limpar o país de criminosos por meio da pena de morte. Soluções mais práticas do que ela já existem e são realizadas.

Já pensaram que, se existisse pena de morte, o direito de viver e de morrer estaria nas mãos de pessoas comuns como qualquer um de nós, cheias de falhas, erros e, principalmente, vícios, desafetos, intrigas?

A não ser em caso de guerra declarada ou de legítima defesa e estado de necessidade, o direito de viver e de morrer vem de Deus e só Deus sabe a hora, o dia e o lugar da partida. Ou, para outros mais céticos, se Deus não sabe não é o ser humano quem deve decidir isso.

Para mim, só Deus decide sobre vida e morte. E quando chega o momento derradeiro de decidir ele mesmo decide pela vida. Não deixou Abraão sacrificar Isaque. Abraão já com as mãos levantadas, Deus mandou parar. Ou seja, não é permitido matar nem quando é em sacrifício ao próprio Deus. Emblemática e simbólica, não? Acho que um mandamento. Mas para a esquerda tudo é cultura, então, só me resta lamentar… por ela, que se sente dominada por figuras simbólicas e mandamentais como esta, por seus seguires, que se deixam ficar sem alma, por mim e por todos nós, que sofremos com as ações alheias.

Então, de tudo é dizer: se o carrasco não for um carrasco bom, igual ou imitador de Abraão, aquele que para quando Deus ordena que pare mesmo já tendo levantado o cutelo, nem adianta pensar em pena de morte.

Se Abraão não for o carrasco e a ceifa da vida alheia não for ordenada pelo próprio Deus desisto de pensar em pena de morte.

 

Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, membro da Igreja Universal do Reino de Deus e autor de obras jurídicas e dos seguintes livros: Fenomenologia de Jornal, O que não está na mídia está no mundo e Voltaram de Siracusa.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior:  Sobre pornografia e negócios, qualquer semelhança não é mera coincidência

 

FONTE: http://guiame.com.br/colunistas/sergio-renato-de-mello/quando-abraao-nao-e-o-carrasco.html


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